terça-feira, 14 de abril de 2009

Sobre café e cigarros

Sentei na velha mesa fria e solitária, onde o único indício de calor era o café morno que fazia-se notar no canto da mesa. Tirei do bolso minha única inspiração em dez meses.
Tudo vai mal no calor intenso, se Deus tivesse uma posição política, seja qual fosse, penso que seria extremista. Meus poros devem estar cansados de trabalhar e meu pulmão vacila como o de um fumante assíduo há 30 anos.
Eu sentei ali, e tudo o que tinha era uma página com linhas recém manchada acidentalmente de café. Passei a escrever loucamente, era o cientista maluco prestes a dar a luz a minha criação. IGOOOR!
A maneira com que me olhavam após enfiar na boca seus cigarros retirados de caixas com listras azuis ou vermelhas (dependentes do humor) só provava o quão cheio deles mesmos estavam. E aos poucos me esvaziava, esvaziaria um pouco deles também, eu os faria esse favor.
Ela se foi como a brisa de um inverno ensolarado, e apesar do calor que fazia lá fora, meu corpo sofria pequenos calafrios, resultantes de lembranças distantes. Cada vez que o jovem garçom retirava a xícara, em resposta lhe pedia outra, como se estivesse a embeber-me de uma salvação momentânea ou a refugiar-me em uma tarde fria de solstício. Não passava de um ato contínuo, inconsciente, automático, se ele não as retirasse, eu não pediria outra.
Escrevi dez ou quinze versos desconexos ligados pelas manchas derramadas, de alguma maneira, aquilo expressava como me sentia. Meus dedos oscilavam e meu âmago balbuciava em meu ouvido.
Então eles fumavam seus cigarros, um através do outro e mexiam suas mãos eloquentemente à ponto de soar patético. Ele me trouxe a oitava xícara e eu o agradeci, as crianças me olhavam com desdém e agora eu era o imperador dos sonhos perdidos. Foi quando por fim, num cintilar de instante pude ver nitidamente o que estava por ser dito.
E era a mim mesmo.

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