terça-feira, 12 de maio de 2009

Queria meus velhos hábitos e uma dúzia de garrafas lacradas

Ela abriu imediatamente a porta e resmungou gaguejante:
- Hoje você não entra querido.
Sua voz carregada de pena, esboçava qualquer coisa como um sentimento nobre, sentia-se nela o balbucio típico de ações forçosas.
Por minha feição, meus vestes e olhos deduzira de onde eu vinha e quantos copos de cerveja, exatamente, havia bebido após a última rodada que paguei aos dois companheiros à esquerda e a moça à direita no balcão.
Pela maneira com que segurava a porta, entreaberta deixando transparecer sua suave camisola de verão e uma parte de sua perna apoiada sobre a ponta do pé, meus olhos viam através, como se realmente pudessem, esbocei um sorriso, coisa que fazia quando tinha certeza que as coisas iam bem:
- Há uma banda tocando um blues sujo e pesado em algum lugar da minha cabeça - disse soturno - que tipo de furacão passou por aqui?
Ela permaneceu estática, via-se apenas o movimento dos lábios brancos penetrarem sedentos entreabertos deixando aparecer as extremidades dos dentes superiores e inferiores.
Ao fundo, não era blues que soava e sim algum clássico dos anos 80, um parente distante de uma banda consagrada, ela adorava essas coisas.
Uma tênue faixa de tempo passou, enquanto observava os sinais aparentes em seus ombros e pescoço, ambos glaciais, brancos e castos.
Não me olhava fixamente, mas direcionava inconstantes olhares em minha direção, que em qualquer outra ocasião soariam impacientes.
Soltou um leve sorriso interno e disse em voz relutante:
- Nós tínhamos um trato e você me aparece com esses sapatos lustrados, com esse sentimentalismo barato.
Olhei-a diretamente, minhas mãos não saíam do bolso, tudo o que fazia era brincar com meus dedos:
- Não há um lugar para onde eu esteja indo.
Foi quando ela fechou os olhos em compreensão e em seguida coçou uma das pernas com ajuda da outra.
Não havia muitos carros transitando, de maneira que em algum apartamento próximo um imbecil assistia o canal de vendas em um volume assombroso, fazendo-se ouvir ao longe.
O corredor era estreito e o tapete destacava ornamentos vermelhos. Passaram-se dois minutos desde minha última palavra.
Em uma fração de segundo tirou da mão oculta sob a porta um Camel e enfiou-o na boca, acendi-lhe cortesmente em um só movimento e como ato contínuo do cintilar produzido pelo isqueiro, virei em direção à porta e observei quase inaudível:
- Estranho nevar em setembro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário