sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Há um samana em minha rua

Há um samana em minha rua
Seus olhos, diamantes primitivos,
Impenetráveis
De ruas que transpusera Flora,
Rainha dos ensejos de acasos,
De transeuntes estrelas
Em seu universo
Bordado de infinito.

Quando homens trajados de praia
Morriam de saudade
Morreriam amiúde,
De sede e fadiga
À espera do mar

daydream

my dreams are little wishes
that just forgot to go away
Some birds in their cages
only wishes a beach or bay

domingo, 16 de agosto de 2009

domingo

os cantos úmidos esquecidos pela luz
e quando ela caia no sono
eu abotoava meu sobretudo e amarrava meus sapatos
sentado esboçava na janela embaçada
o seu braço caído sob a cama

e sempre que me dizia adeus
subitamente acordada pelo leve ranger da porta
um breve sorriso involuntário fazia-se perceber
em algum lugar, em Denver ou El Paso
morria um homem a cada segundo
daquele sorriso.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Sue andou decidida com a garrafa na mão
Completou três copos
No Jukebox Scarlet cantava Tom
Ele nem a olhou,
Só ergueu a cabeça enquanto virava
De um só gole, sem ofegar.

Tirou do bolso uma nota de 20
Levantou-se decidido,
Ainda digno, soltou algo como um sussurro:
“ Não deixe nunca que uma mulher acabe com a sua vida “
Seus pés, locomotivas prestes do abismo seguiram no trilho,
Retirou do cabide o sobretudo cinzento, sem sequer olhar para trás.

A rainha completava 68 anos
Enquanto Serge Gainsbourg
Assinava a canção de despedida

sábado, 23 de maio de 2009

pudera,
nos laços
teus braços
dos muitos
dois minutos
compassos mudos
afundar.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Queria meus velhos hábitos e uma dúzia de garrafas lacradas

Ela abriu imediatamente a porta e resmungou gaguejante:
- Hoje você não entra querido.
Sua voz carregada de pena, esboçava qualquer coisa como um sentimento nobre, sentia-se nela o balbucio típico de ações forçosas.
Por minha feição, meus vestes e olhos deduzira de onde eu vinha e quantos copos de cerveja, exatamente, havia bebido após a última rodada que paguei aos dois companheiros à esquerda e a moça à direita no balcão.
Pela maneira com que segurava a porta, entreaberta deixando transparecer sua suave camisola de verão e uma parte de sua perna apoiada sobre a ponta do pé, meus olhos viam através, como se realmente pudessem, esbocei um sorriso, coisa que fazia quando tinha certeza que as coisas iam bem:
- Há uma banda tocando um blues sujo e pesado em algum lugar da minha cabeça - disse soturno - que tipo de furacão passou por aqui?
Ela permaneceu estática, via-se apenas o movimento dos lábios brancos penetrarem sedentos entreabertos deixando aparecer as extremidades dos dentes superiores e inferiores.
Ao fundo, não era blues que soava e sim algum clássico dos anos 80, um parente distante de uma banda consagrada, ela adorava essas coisas.
Uma tênue faixa de tempo passou, enquanto observava os sinais aparentes em seus ombros e pescoço, ambos glaciais, brancos e castos.
Não me olhava fixamente, mas direcionava inconstantes olhares em minha direção, que em qualquer outra ocasião soariam impacientes.
Soltou um leve sorriso interno e disse em voz relutante:
- Nós tínhamos um trato e você me aparece com esses sapatos lustrados, com esse sentimentalismo barato.
Olhei-a diretamente, minhas mãos não saíam do bolso, tudo o que fazia era brincar com meus dedos:
- Não há um lugar para onde eu esteja indo.
Foi quando ela fechou os olhos em compreensão e em seguida coçou uma das pernas com ajuda da outra.
Não havia muitos carros transitando, de maneira que em algum apartamento próximo um imbecil assistia o canal de vendas em um volume assombroso, fazendo-se ouvir ao longe.
O corredor era estreito e o tapete destacava ornamentos vermelhos. Passaram-se dois minutos desde minha última palavra.
Em uma fração de segundo tirou da mão oculta sob a porta um Camel e enfiou-o na boca, acendi-lhe cortesmente em um só movimento e como ato contínuo do cintilar produzido pelo isqueiro, virei em direção à porta e observei quase inaudível:
- Estranho nevar em setembro.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sobre café e cigarros

Sentei na velha mesa fria e solitária, onde o único indício de calor era o café morno que fazia-se notar no canto da mesa. Tirei do bolso minha única inspiração em dez meses.
Tudo vai mal no calor intenso, se Deus tivesse uma posição política, seja qual fosse, penso que seria extremista. Meus poros devem estar cansados de trabalhar e meu pulmão vacila como o de um fumante assíduo há 30 anos.
Eu sentei ali, e tudo o que tinha era uma página com linhas recém manchada acidentalmente de café. Passei a escrever loucamente, era o cientista maluco prestes a dar a luz a minha criação. IGOOOR!
A maneira com que me olhavam após enfiar na boca seus cigarros retirados de caixas com listras azuis ou vermelhas (dependentes do humor) só provava o quão cheio deles mesmos estavam. E aos poucos me esvaziava, esvaziaria um pouco deles também, eu os faria esse favor.
Ela se foi como a brisa de um inverno ensolarado, e apesar do calor que fazia lá fora, meu corpo sofria pequenos calafrios, resultantes de lembranças distantes. Cada vez que o jovem garçom retirava a xícara, em resposta lhe pedia outra, como se estivesse a embeber-me de uma salvação momentânea ou a refugiar-me em uma tarde fria de solstício. Não passava de um ato contínuo, inconsciente, automático, se ele não as retirasse, eu não pediria outra.
Escrevi dez ou quinze versos desconexos ligados pelas manchas derramadas, de alguma maneira, aquilo expressava como me sentia. Meus dedos oscilavam e meu âmago balbuciava em meu ouvido.
Então eles fumavam seus cigarros, um através do outro e mexiam suas mãos eloquentemente à ponto de soar patético. Ele me trouxe a oitava xícara e eu o agradeci, as crianças me olhavam com desdém e agora eu era o imperador dos sonhos perdidos. Foi quando por fim, num cintilar de instante pude ver nitidamente o que estava por ser dito.
E era a mim mesmo.

domingo, 12 de abril de 2009

na pior das hipóteses morrerei livre.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Lembranças

estive em minha cabana fatídica
a desenhar linhas por entre estrelas
a combater cavaleiros noturnos
em busca de sanidade
a solidão, em seu âmago,
costuma ser solícita
e silenciosa
não assemelha-se 
contudo,
à escuridão.

esteve a criar imagens
em sua máquina de instantes
são também lembranças
que outrora remetera 
à nostalgia
ou talvez, à simples saudade
acredito-lhe pois
certa vez me disse
que o tempo
não existe.
é como se houvesse, também nela
algo de insensato, 
e cada gesto singular
reproduzisse um som
pequenos rasantes
rompedores
de seu silêncio
quase magistral

sábios da noite

esteve a fechar olhos
abruptos,
como fecham portas ou baús
em noite de luzes
brilhantes sábios insones
a pestanejar
inventando sonhos
enquanto dormimos

sobre mentir

Fez questão de ouvir romperem todos os discursos e estranhou a suave e serena calma com que encarava àquilo que não considerava uma situação.
Acostumara enfim a rudeza dos fatos e herdara uma estranha sensatez que por vezes não correspondia, a maior parte do tempo, não refletia o seu tiquetaquear vago.
Eles continuavam a falar, intercalando tragos e risos e demonstrações pitorescas de compreensão com expressões faciais distorcidas, haviam praticado dias a fio essa técnica.
Se naquele momento em que os observava, fossem postos sobre patamares com ternos e gravatas ele vagamente estranharia com um bocejo e um piscar soturno e cuidadoso exprimindo um 'que diabos!?'


Andou uma distância sem cálculos pela gotejante avenida, acenou timidamente com a mão ao primeiro taxista desperto que vagava, soltou com um sotaque rijo e descompassado, notavelmente forçado

- Siga andando, estou atrasado.

sobre ir

não creio que tenhamos
qualquer sanidade
alojada ao fim
cada gotejar chuvoso
ao reproduzir um tortuoso
estrondoso contínuo.

vi teus pés sob os meus
e andavas através
como se fosse a navegar
e por entre meus olhos
vagaste uma ou duas 
noites
soturnas
até que por fim.

calçaste tuas meias
estendidas
da ponta dos pés
ao fim do calcanhar
em postura de rainha
de baile de máscaras

passos sorrateiros
seguiram na penumbra
em meu relógio
o tiquetaquear
ressonava 
ausência.

Almirante

e se meus olhos param estáticos a mirar o nada
são pensamentos que navegam em teu mar
solene olhar de almirante ao mirar o horizonte
fixou tua imagem e ficou a sonhar.
em um só solavanco
despertou naquela 
estátua tão
perpétua quanto
estática
todas as preces 
póstumas
de reis francos

e de seus quilates
fizeram-se
ressonantes melodias 
nórdicas invulneráveis

e ao andar serenamente
no tênue espaço
entre ofegos e brados
e prelúdios bardos
ofuscada sob 
o alpendre da imagem
sussurrava fazendo-se ouvir
por aqueles que já descansavam
no pacífico balançar
de sua voz.